Data da última atualização : Dezembro 2024
Nota para a leitura dos nossos gráficos: Todos os nossos indicadores foram transformados num índice (1929 = 100). Um índice de 166 em 1966 para a taxa de lucro significa que esta era 66% mais elevada do que em 1929, enquanto um índice de 68 em 1938 significa que era 32% mais baixa. As barras sombreadas servem apenas para indicar os anos de crise económica oficialmente reconhecidos como tal pelo NBER, pelo que a sua altura não tem qualquer significado especial. O NBER refere-se a uma recessão como « um declínio significativo da atividade económica em todos os sectores, com a duração de vários meses e normalmente visível na produção, no emprego, no rendimento real e noutros indicadores ».
Taxas de lucro e crises cíclicas
A obtenção de lucro é o objetivo e a força motriz de todo o investimento na economia capitalista: um detentor de capital só investirá se esperar obter uma massa e uma taxa de rendimento suficientes: « A taxa de lucro é a força motriz da produção capitalista, e só se produz o que pode ser produzido com lucro... [...] ...a taxa de desenvolvimento do capital total, a taxa de lucro, é de facto o estímulo da produção capitalista (tal como o desenvolvimento do capital é o seu único fim)... ». [1]. De certa forma, ela mede a rendibilidade final da economia capitalista, uma vez que relaciona o lucro obtido com o investimento efectuado. Marx calcula-a dividindo a mais-valia obtida pelo capital total investido [2]. Quando a taxa de lucro sobe (setas verdes apontando para cima no gráfico acima), a atividade económica prospera; quando desce (setas vermelhas apontando para baixo), contrai-se; e quando atinge o ponto mais baixo de um ciclo de subidas e descidas (círculos vermelhos), rebenta a crise (linhas verticais sombreadas).
As consequências da crise serão o endurecimento das condições de exploração dos trabalhadores e a desvalorização de todos os elementos da atividade produtiva: os salários diminuem com o aumento do desemprego, o 'capital-máquina' (ou capital constante) desvaloriza-se com as falências, as mercadorias não vendidas e as liquidações. Por outras palavras, ao aumentar o numerador da taxa de lucro (a mais-valia resultante da exploração dos trabalhadores) e ao reduzir o seu denominador (a desvalorização da maquinaria e a queda dos salários), a crise permite a sua recuperação. Um novo ciclo de produção pode então ser reiniciado até à próxima crise, e assim por diante: « A estagnação que ocorreu na produção teria preparado - dentro dos limites capitalistas - uma expansão subsequente da produção. Desta forma, o ciclo teria seguido o seu curso mais uma vez. Parte do capital depreciado pela estagnação recuperaria o seu valor anterior. Além disso, o mesmo círculo vicioso repetir-se-ia, em condições de produção ampliadas, com um mercado alargado e com um potencial produtivo acrescido » [3]. Portanto, o mecanismo interno da própria crise cria as condições para um « mercado alargado », « potencial produtivo aumentado » e « produção amplificada ».
É exatamente isto que se vê no gráfico acima, onde cada crise segue um ciclo de subida e descida das taxas de lucro. A exceção da crise de 1945 pode ser explicada pelas dificuldades de reconversão da economia americana logo após o fim da guerra [4]. Assim, a curva descendente da taxa de lucro desde 2013 anuncia a próxima crise económica, que a pandemia acelerou para 2020. Esta respiração autoperpetuante da atividade produtiva, entrecortada por crises periódicas, é uma das melhores confirmações da análise que Marx elaborou a partir das suas observações empíricas e dos seus trabalhos teóricos. Engels resumiu-a no Anti-Dühring [5]:
« ...desde 1825, data da primeira crise geral, todo o mundo industrial e comercial, a produção e o intercâmbio de todos os povos civilizados e dos seus satélites mais ou menos bárbaros, se desmorona de dez em dez anos. O comércio pára, os mercados estão entupidos, os produtos existem em quantidades tão maciças quanto invendáveis, o dinheiro torna-se invisível, o crédito desaparece, as fábricas param, as massas trabalhadoras não têm meios de subsistência por terem produzido demasiados meios de subsistência, a falência sucede à falência, a venda forçada sucede à venda forçada. O estrangulamento dura anos, as forças produtivas e os produtos são delapidados e destruídos em massa, até que as massas de bens acumulados são finalmente eliminadas com diferentes graus de depreciação, até que a produção e a troca são gradualmente retomadas. Pouco a pouco, o ritmo acelera, torna-se um trote, o trote industrial torna-se um galope, e este galope, por sua vez, aumenta até à queda de barriga para baixo de uma completa perseguição da indústria, do comércio, do crédito e da especulação, para acabar, após os saltos mais perigosos, na vala do crash. E sempre a mesma repetição. Foi isto que experimentámos nada menos que cinco vezes desde 1825, e que estamos a experimentar agora (1877) pela sexta vez » [6].
A pertinência desta análise é confirmada não só por todas as crises cíclicas que ocorreram desde 1929, como mostra o nosso gráfico acima, mas também, de uma forma mais geral, pelas vinte e cinco crises que o capitalismo conheceu ao longo de quase dois séculos [7], se considerarmos 1825 como a primeira crise geral do capitalismo: « ...foi só com a crise de 1825 que começou o ciclo periódico da vida moderna do capitalismo » [8]. Isto dá-nos um ciclo médio de mais ou menos oito anos entre duas crises a nível internacional ao longo de dois séculos, e de seis anos e meio para o período aqui considerado (1929-2023).
O carácter cíclico da acumulação de capital e das suas crises ao longo dos dois últimos séculos, bem como a perfeita correspondência entre a evolução da taxa de lucro e a eclosão das crises, devem, no mínimo, intrigar aqueles que continuam a reivindicar a análise luxemburguista que afirma, apesar destas provas, que : « A fórmula de um período decenal que completa todo o ciclo da indústria capitalista era para Marx e Engels, nos anos 1860-70, uma simples constatação de factos: estes factos não correspondiam a uma lei natural, mas a uma série de circunstâncias históricas determinadas [...] A periodicidade decenal destas crises internacionais é um facto puramente externo, uma questão de acaso » [9]. O facto de, em dois séculos de capitalismo, ter havido vinte e cinco crises internacionais tão estreitamente correlacionadas com as variações da taxa de lucro não é « um facto puramente externo, uma coincidência », tanto mais que esta correlação corresponde, em todos os aspectos, à análise exposta por Marx em O Capital.
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[1] Marx, O Capital, Livro III, Ed. Sociales, vol. 1: 271, 254.
[2] Em linguagem corrente: lucro / capital total = lucro / (salários + capital máquina) ou, em termos marxistas: mais-valia / (capital variável + capital constante).
[3] Marx, As Plêiades - Economia II, Livro III de O Capital: 1037.
[4] Utilizámos aqui o exemplo dos Estados Unidos porque, apesar da sua perda de poder a partir dos anos 1970, continuam a ser a economia dominante há mais de um século e, como tal, são muitas vezes o gatilho para crises à escala internacional (pense-se na crise de 1929 ou na crise do subprime em 2008-09). Assim, uma crise económica internacional afecta inevitavelmente os Estados Unidos, e uma crise neste país tem um impacto de facto na economia mundial. Com exceção da Ásia emergente, que apenas abordaremos e sobre a qual, infelizmente, não nos podemos debruçar, os desenvolvimentos aqui descritos são válidos para a maior parte da economia do mundo desenvolvido.
[5] Esta obra, assinada por Engels, foi de facto concebida, discutida e co-escrita com Marx: « ...os fundamentos e o desenvolvimento das concepções expostas neste livro devem-se em grande parte a Marx, e a mim apenas em pequena medida, era evidente entre nós que a minha exposição não deveria ter sido escrita sem o seu conhecimento. Li-lhe todo o manuscrito antes da impressão e foi ele quem, na secção sobre economia, escreveu o décimo capítulo... », Prefácio de Engels à segunda edição, Ed. Sociales 1973: 38.
[6] Capítulo II, Notions théoriques, Ed. Sociales 1973: 312-313.
[7] 1825, 1836-39, 1847-48, 1857, 1864-66, 1873, 1882-84, 1890-93, 1900-03, 1907, 1911-13, 1918-21 (23 no total), 1929-32, 1937-38, 1948-49, 1952-54, 1957-58, 1966-67, 1970-71, 1974-75, 1980-82, 1990-91, 2001, 2008-09, 2020.
[8] Marx, La Pléiade, Economie I, Posfácio à segunda edição alemã do Capital: 553.
[9] Rosa Luxemburgo, Reforma ou Revolução (1898), Maspéro.
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Topo da páginaNota para o leitor: Para facilitar a leitura, as barras cinzentas que indicam os momentos de crise económica só vão até à curva mais baixa para evitar sobreposições.
A taxa de lucro mede a rentabilidade do capital total investido. Ela indica como este último se valoriza e exprime assim o grau de cumprimento da finalidade capitalista. De todas as leis do capitalismo é essa a que Marx considerava como a historicamente mais importante [1]. Suas flutuações nos apresentam duas dinâmicas :
Entretanto, não é porque a taxa de lucro cai na saída de cada ciclo de acumulação que se está forçosamente na presença de uma baixa tendencial da taxa de lucro, da mesma forma que não é por que o aquecimento climático e a estação de verão correspondem a uma alta de temperatura que esses dois fenômenos compartilham a mesma causalidade : o primeiro está ligado a atividades humanas, e o segundo à rotação da terra em torno do sol. O mesmo ocorre com a taxa de lucro : nem as flutuações de curto e médio prazo, nem as razões dessas flutuações devem ser confundidas. Assim, as quedas recorrentes da taxa de lucro na saída dos ciclos de acumulação podem ter lugar dentro de uma tendência de médio prazo para a alta ou a baixa desta. É em médio prazo que a baixa tendencial age, como indicava Marx em O Capital, e não a cada ciclo curto [4].
As flutuações da taxa de lucro resultam da evolução respectiva da taxa de mais-valia como numerador e da composição orgânica do capital como denominador :
O gráfico nos mostra uma fortíssima proximidade entre a evolução da taxa de lucro e a da taxa de mais-valia, e a composição orgânica do capital vindo depois para adicionar ou contrarrestar seus efeitos : tanto aquando das baixas como retomas, a taxa de lucro volta a cair primeiro como consequência da inversão da taxa de mais-valia, e a composição orgânica do capital vem acrescentar apenas um papel complementar.
Não se pode esquecer que tanto o numerador da taxa de lucro (a taxa de mais-valia), quanto o seu denominador (a composição orgânica do capital), são todos dois fortemente influenciados pela evolução da produtividade do trabalho. As incidências desta última estão detalhadas nos gráficos abaixo, que explicam as determinantes da taxa de mais-valia e da composição orgânica do capital.
Para seguir adiante, o capitalismo tem a necessidade de se apoiar sobre as suas duas pernas : a produção e o consumo. Por vezes se apresenta muito frequentemente uma taxa de lucro reduzida como parte das dificuldades encontradas na produção (a dificuldade em extrair suficiente sobretrabalho para um capital dado). Na realidade a taxa de lucro é uma variável sintética que exprime simultaneamente as dinâmicas e as contradições relativas à produção e à realização do valor : como a sua evolução depende tanto da eficácia do capital (no denominador) como da repartição do produto total (a taxa de mais-valia, no numerador), ela mede tanto a capacidade do capital para garantir a sua rentabilidade quanto a adequação dos mercados à produção. É, portanto, equivocado privilegiar somente um dos dois aspectos do circuito de acumulação (produção ou venda), ou fazê-los estritamente depender um do outro. Na realidade Marx desenvolve uma visão integrada do circuito de acumulação em um sistema de variáveis parcialmente independentes. Esta concepção sintética da taxa de lucro constitui um dos maiores aportes metodológicos de Marx. Nós estamos muito longe de todos os esquemas simplificadores que abreviam a mecânica complexa do Capital e de suas contradições a uma explicação monocausal, onde as crises recorrentes tenderiam a cada vez a uma só e mesma causa ao longo da história, que seriam :
Em conclusão, a taxa de lucro deve ser concebida como um indicador integrado do restabelecimento das condições de produção e realização do produto social total. Ela expressa tanto as contradições ligadas à repartição do valor produto (a luta de classe, ou seja, a taxa de mais-valia no numerador), quanto o mecanismo da intensidade em capital fixo (as forças produtivas, ou seja, a composição do capital no denominador).
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[1] “...de todas as leis da economia política moderna, é a mais importante que existe. Essencial para a compreensão dos problemas mais difíceis, ela é também a lei mais importante do ponto de vista histórico, uma lei que, apesar de sua simplicidade, nunca foi compreendida até o momento presente e menos ainda enunciada de maneira consciente” Marx, Grundrisse, La Pléiade II : 271-272.
[2] “Na medida em que a acumulação diminui, desaparece também a causa de sua diminuição, a saber, a desproporção entre capital e força de trabalho explorável. O mecanismo do processo de produção capitalista elimina por si mesmo os obstáculos que ele cria espontaneamente” Marx, Le Capital, Livre I, quarta edição alemã, Editions Sociales, 1983 : 694. “As crises não são mais do que soluções momentâneas e violentas que restabelecem por um momento o equilíbrio perturbado [...] A estagnação ocorrida na produção teria preparado — nos limites capitalistas — uma expansão subsequente da produção. Assim o ciclo uma vez mais teria sido percorrido. Uma parte do capital depreciado pela estagnação reencontraria o seu antigo valor. De resto, o mesmo ciclo vicioso seria outra vez percorrido, nas condições de produção amplificadas, com um mercado ampliado, e com um potencial produtivo acrescido” Marx, Le Capital, Livre III, La Pléiade II : 1031 & 1037.
[3] O ciclo de acumulação mergulha suas raízes na necessidade de crescimento do capital constante em detrimento do capital variável ; seu ritmo é então essencialmente ligado aos ciclos mais ou menos decenais de rotação do capital fixo : “À medida que o valor e a duração do capital fixo envolvido se desenvolvem com o modo de produção capitalista, a vida da indústria e do capital industrial se desenvolvem em cada empresa particular e se prolonga sobre um período, digamos, em média de dez anos [...] ...Este ciclo de rotações que se encadeiam e se prolongam por uma série de anos, onde o capital é prisioneiro de seu elemento fixo, constitui uma das bases materiais das crises periódicas”. Marx, Le Capital, Livre II, La Pléiade : 614. Marx fala de um período decenal médio, e não absoluto : “Sem dúvida os períodos de inversão do capital são muito diferentes, mas a crise serve sempre como ponto de partida para um poderoso investimento; ela fornece, por conseguinte — do ponto de vista da sociedade tomada em seu conjunto — uma nova base material para o próximo ciclo de rotação”. Marx, Le Capital, Livre II, Editions Sociales, tomo IV : 171.
[4] “Assim a lei [da baixa tendencial da taxa de lucro] age apenas como uma tendência cuja ação manifesta-se claramente apenas em certas circunstâncias e no curso de longos períodos” Livre III, La Pléiade II : 1023. Marx define então dois casos onde ‘a ação da lei se manifesta claramente’ : (1) “em certas circunstâncias” e (2) “no curso de longos períodos” Mas o que ele quer dizer por período longo? A resposta foi claramente dada no início do mesmo capítulo sobre as influências contrárias : “Se se considera o enorme desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social, ainda que seja apenas dos últimos trinta anos, e se nós comparamos esse período com todos os períodos anteriores, se consideramos mais particularmente a massa enorme de capital fixo que, para além das máquinas como tais, entram no processo social de produção, tomado como um todo, vemos que a dificuldade com que se têm entretido até agora os economistas, a explicar a queda da taxa de lucro, se transmuta na dificuldade inversa, a de explicar por que essa queda não é maior e mais rápida” (idem : 1014). Assim, logo que Marx evoca “longos períodos” nos cursos dos quais se exerce a lei da baixa tendencial da taxa de lucro, ele fala de uma “trintena de anos”. Portanto nós não falamos aqui nem na temporalidade dos ciclos decenais de acumulação, nem naquele espaço de tempo de um século ou mais, como reclamado por certos autores, temporalidade ausente na obra de Marx, posto que ela data do começo da época moderna do capitalismo, a partir de 1825, e ele escreve O Capital na segunda metade do século XIX.
[5] Marx, Le Capital, Livre III, La Pléiade II : 1026-1027.
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Topo da páginaAs flutuações da taxa de mais-valia estão estreitamente ligadas às variações da taxa de lucro. No gráfico, as flutuações da taxa de mais-valia (1) são o resultado da luta de classes, ou seja, das variações entre o valor criado pelos assalariados (3) e o seu custo (4): a taxa de mais-valia aumenta quando estas duas curvas divergem e diminui quando convergem. Podem também ser deduzidas do diferencial entre o crescimento da produtividade no sector dos bens de consumo (5) e o crescimento dos salários reais (2): quando os ganhos de produtividade são superiores ao aumento dos salários reais, a taxa de mais-valia aumenta, e vice-versa (para horas de trabalho iguais).
I. 1933-1944
Após a queda da taxa de mais-valia na sequência da crise de 1929, esta recuperou até 1944, graças à retoma económica impulsionada pelo New Deal (1933-39) e, em seguida, pela economia de guerra durante a Segunda Guerra Mundial.
II . 1946-1966
Após a queda da taxa de mais-valia na sequência das dificuldades do pós-guerra, esta recuperou até 1966. Contrariamente ao que se pensa, os salários e os lucros não evoluem necessariamente em direcções opostas: podem aumentar em simultâneo, desde que os ganhos de produtividade sejam suficientemente intensos e generalizados. Foi este o 'milagre' dos Trinta Anos Gloriosos, durante os quais todas as variáveis económicas subiram em conjunto, permitindo ao mesmo tempo a redução do tempo de trabalho! O resultado foi o pleno emprego e a triplicação dos salários reais nos países da OCDE (em média). O gráfico mostra que os ganhos intensos de produtividade durante este período :
* Fizeram baixar o valor médio dos bens de consumo (5).
* Baixaram também o valor da força de trabalho (4).
* Permitiram um aumento dos salários reais (2).
* E uma diminuição dos tempos de trabalho (3).
III. 1966-1982
A taxa de mais-valia diminui durante todo esse período, pois a desaceleração dos ganhos de produtividade (5) já não permitia compensar a diminuição dos tempos de trabalho (3) e a continuação do aumento dos salários reais — sobretudo de 1966 a 1972 (2).
IV. 1982-2013
Ataxa de mais-valia voltou a subir depois de 1982, porque os ganhos de produtividade no sector dos bens de consumo recuperaram - mas sem voltar aos níveis do imediato pós-guerra - (5), enquanto o tempo de trabalho deixou de diminuir (3) e o aumento dos salários reais abrandou consideravelmente (2) em consequência da austeridade neoliberal. Este aumento da taxa de mais-valia, juntamente com o declínio da composição orgânica do capital até 2000, é a razão do aumento da taxa de lucro até 1997 e da sua posterior manutenção a um nível elevado, como se pode ver no gráfico “Taxa de lucro - Taxa de mais-valia - Composição do capital, EUA (1929-2023)” acima.
V. 2013-2023...
A taxa de mais-valia tem vindo a diminuir ligeiramente desde 2013. Baixou durante a pandemia em consequência das medidas de apoio à atividade económica. O desafio para a ofensiva patronal pós-Covid é voltar a pô-la no bom caminho. A luta contra a inflação é um pretexto ideal - tal como no início dos anos 80 - para justificar o rigor da política neoliberal. Assim, a taxa de mais-valias registou um forte aumento entre 2020 e 2023.
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A taxa de mais-valia
O valor total criado se decompõe em salários (valor da força de trabalho) e lucros (mais-valia). A taxa de mais-valia relaciona a mais-valia com os salários. Como a mais-valia é igual ao valor total criado menos os salários, a taxa de mais-valia é igual a : mais-valia / salário = (valor total criado – salários) / salários = (valor total criado / salários) – (salários / salários) = valor total criado / salários) – 1 = (valor total criado / valor da força de trabalho) – 1 = [(3) / (4)] – 1, conforme o gráfico acima.
Dito de outra forma, visualmente, a taxa de mais-valia aumenta quando as curvas (3) e (4) se separam, e ela diminui quando as curvas se aproximam.
Além disso, pode-se também mostrar que a taxa de mais-valia depende da evolução respectiva da produtividade do trabalho e do salário real : se a produtividade do trabalho aumenta mais rapidamente do que o salário real, então a taxa de mais-valia aumenta, também valendo o inverso. É o que também nos mostra o gráfico: logo que a curva (5), que representa o inverso da produtividade, decresce mais rapidamente do que o aumento dos salários reais (2), então a taxa de mais-valia aumenta, sendo o inverso verdadeiro.
O salário real
Ele corresponde à quantidade dos meios de consumo (bens e serviços) que um trabalhador pode comprar. Calcula-se relacionando, sob forma de índices, a evolução dos salários nominais com a evolução dos preços ao consumidor.
O valor por meio de consumo
É o inverso da produtividade do trabalho. É calculado relacionando, sob forma de índices, a evolução dos preços ao consumo com a evolução ao equivalente monetário dos valores (conforme se vê abaixo).
O Equivalente monetário dos valores
Para exprimir as nossas variáveis em termos de valores no sentido marxista (ou seja, horas de trabalho), dividimos as quantidades monetárias pela expressão monetária dos valores, ou seja, a quantidade em dólares de uma hora de valor criado. Este valor é calculado dividindo o produto interno líquido do sector mercantil pelo número total de horas trabalhadas nesse sector.
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Topo da páginaArgumenta-se frequentemente que a queda da taxa de lucro é o resultado da crescente mecanização da economia: a crescente utilização dos meios de produção aumentaria a composição orgânica do capital (a relação de valor entre máquinas e trabalho). Isto é correto na medida em que a contra-tendência sublinhada por Marx (isto é, os ganhos de produtividade) já não é capaz de contrariar esta mecanização crescente da economia. Os ganhos de produtividade reduzem o valor destes meios de produção e compensam assim o aumento do seu número [1]. É exatamente o que mostra o gráfico acima: a composição orgânica do capital só aumenta quando os ganhos de produtividade no sector dos meios de produção abrandam e já não conseguem compensar o aumento da composição técnica do capital (o número de meios de produção por trabalhador).
Por fases (1929-44; 1958-69; 1983-2000; 2011-19), esta composição técnica só aumentou: ao longo de todo o período, um assalariado utiliza hoje, em média, seis vezes mais meios de produção do que na altura da Grande Depressão de 1929. Uma vez que as variações da diminuição do valor da força de trabalho pouco contribuem para explicar as flutuações da composição orgânica do capital, são sobretudo as variações dos ganhos de produtividade dos meios de produção que provocam a diminuição do seu valor e explicam as flutuações da composição orgânica do capital: quando o valor por meio de produção diminui mais rapidamente do que o aumento da composição técnica do capital, a composição orgânica diminui, e vice-versa.
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[1] “Em uma palavra, o desenvolvimento que faz crescer a massa do capital constante em relação ao capital variável reduz, como consequência da produtividade acrescida do trabalho, o valor dos seus elementos; ele impede então que o valor do capital constante, aumentando sem cessar, cresça na mesma proporção que a massa material, ou seja, o volume dos meios de produção colocados em movimento pela mesma quantidade de força de trabalho. Pode ocorrer mesmo que, em alguns casos, a massa de elementos do capital constante aumente, enquanto o seu valor permanece constante ou mesmo diminua” Marx, Le Capital, livre III, La Pléiade II : 1019.
“...graças a uma produtividade aumentada, pois, paralelamente ao crescimento do número de máquinas a um preço reduzido, o preço da mercadoria diminui, a taxa de lucro pode permanecer a mesma ... a taxa de lucro poderia mesmo crescer se o aumento da taxa de mais-valia estivesse ligada a uma diminuição sensível do valor dos elementos do capital constante, particularmente do capital fixo [consecutivamente aos ganhos de produtividade]” Marx, Le Capital, livre III, La Pléiade II : 1013.
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EXPLICAÇÃO PATENTEADA DAS VARIÁVEIS :
A composição orgânica do capital
A composição orgânica do capital relaciona o capital constante ao capital variável. É a relação entre os componentes que fazem apenas transmitir o seu valor e aqueles que criam um novo valor, ou entre aqueles que não produzem mais-valia e aqueles que produzem, ou ainda, entre o trabalho passado cristalizado nas máquinas e o trabalho presente representado pelos assalariados. Ela é então calculada relacionando-se o capital fixo investido à massa salarial empregada.
A composição técnica do capital
Em sentido estrito, a composição técnica do capital é o número de meios de produção utilizados por trabalhador, ou o capital per capta. A sua evolução permite-nos medir o crescimento em volume dos meios de produção utilizados por trabalhador. Esta composição técnica é calculada aqui dividindo o índice da evolução do estoque de capital novo (em R$) pelo índice da evolução dos preços dos meios de produção (em R$ por meio de produção). O resultado dessa relação nos dá um índice do aumento do número dos meios de produção.
O valor por meio de produção
É o inverso da produtividade no setor dos meios de produção. É a evolução sob a forma de índices do número médio de horas necessárias para produzir um meio de produção. Esse valor é obtido dividindo o índice do preço médio do capital fixo pelo equivalente monetário dos valores (o equivalente em dólares de uma hora de valor criado : ele é calculado relacionando o produto interno líquido do setor mercantil com o número total de horas de trabalho prestadas nesse setor).
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O período do pós-guerra se caracteriza por um paralelismo entre o aumento dos ganhos de produtividade e dos salários reais. Isso estabiliza a parte salarial no total da riqueza produzida e possibilita ao capitalismo evitar, por um tempo, “uma superprodução que provenha justamente do fato da massa do povo não poder nunca consumir mais que a quantidade média de bens de primeira necessidade, que o seu consumo não aumente senão ao ritmo do aumento da produtividade do trabalho” (Marx [1]).
Tal é a explicação de base usada pelos marxistas do pós-guerra para compreender a prosperidade daquele período : “É inegável que na época moderna os salários reais aumentaram. Mas apenas no âmbito da expansão do capital, o qual supõe que a relação dos salários com os lucros permanece constante no geral. A produtividade do trabalho deveria então se elevar com uma rapidez que permitisse ao mesmo tempo o acúmulo do capital e o crescimento do nível de vida dos trabalhadores” (Mattick [2]). Em outras palavras, “salários e lucros podem se elevar se a produtividade cresce de maneira suficiente...” (Mattick [3]). Isso nos mostra que a escola de regulação não inventou nada de fundamentalmente novo : ela apenas prolongou uma análise já bem desenvolvida por Marx e seus sucessores [4].
A defasagem entre a produtividade e os salários se tornará óbvia e crescente a partir dos anos 1980. O desenvolvimento mais rápido da produtividade (curva superior) em relação aos salários (curva inferior) materializa a tendência natural do capitalismo de fazer crescer sua produção para além da demanda. Esta é a explicação fundamental da superprodução elaborada por Marx : “a superprodução tem especialmente como condição a lei geral de produção do capital : produzir à medida das forças produtivas (ou seja segundo a possibilidade que existe de explorar a maior massa possível de trabalho com uma massa dada de capital), sem ter em conta os limites existentes do mercado ou as necessidades solváveis...” [5]. Dito de outra forma : "a razão última de todas as crises reais é sempre a pobreza e o consumo restrito das massas, face a tendência da economia capitalista em desenvolver as forças produtivas como se elas não tivessem por limite o poder de consumo absoluto da sociedade" [6]. É isso também o que Engels sintetizava em uma de suas fórmulas : “Enquanto que as forças produtivas crescem em progressão geométrica, a expansão dos mercados prossegue, na melhor das hipóteses, em progressão aritmética” [7].
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[1] Teorias sobre a mais-valia, Décimo sexto capítulo: A teoria do lucro de Ricardo, § 3 : A lei da baixa da taxa de lucro, Editions sociales, tomo 2 : 559-560.
[2] Paul Mattick, Intégration capitaliste et rupture ouvrière, 1969, édition EDI : 151.
[3] Paul Mattick, Le capital aujourd’hui, publicado por Maximilien Rubel em Etudes de marxologie, n°11, juin 1967.
[4] Notadamente por Socialisme ou Barbarie (1949-67), uma revista marxista bem conhecida à época e que inspirou largamente a escola de regulação (Aglietta, Souyri, Lipietz, etc.) como podemos dar-nos conta por esta longa citação : “o capitalismo pode realizar um compromisso com respeito à distribuição do produto social, porque precisamente um ritmo do aumento dos salários que seja da mesma ordem que o crescimento da produtividade do trabalho deixa grandemente intacta a repartição existente. (...) A idéia clássica era a de que o capitalismo era incapaz de suportar aumentos de salários porque eles significavam automaticamente a diminuição dos lucros, por conseguinte, a redução do fundo de acumulação indispensável às empresas para sobreviver à concorrência. Mas esta imagem estática está fora da realidade. Se a produtividade dos operários aumenta em um ano em 4% e os salários igualmente, os lucros aumentam necessariamente também em 4%, pois que todas as coisas são iguais nessa proporção (...). A partir do momento que o aumento dos salários não excede substancialmente e de maneira sustentada os aumentos da produtividade, e são generalizados, os aumentos dos salários são perfeitamente compatíveis com a expansão do capital. Eles são mesmo indispensáveis no plano estritamente econômico. Numa economia que cresce a uma taxa média de 3% ao ano, e onde os salários correspondem a 50% da demanda final, qualquer desvio mesmo que pouco substancial entre a taxa de crescimento dos salários e a taxa de expansão da produção conduziria ao final de um tempo relativamente curto a desequilíbrios formidáveis, e a uma incapacidade de escoar a produção que não poderia ser corrigida par nenhuma ‘depressão’ mesmo sendo esta bastante profunda” (Socialisme ou Barbarie n°31, artigo escrito em 1959 e publicado em 1960).
[5] Teorias sobre a mais-valia, Décimo sétimo capítulo: Teoria da acumulação de Ricardo, § 14 : Contradição entre o desenvolvimento irresistível das forças produtivas e a limitação do consumo como base da superprodução, Edition Sociales, tomo II : 637.
[6] Le Capital, Livre III, ch. XXX : Capital dinheiro e capital real, La Pléiade, Economie II : 1206.
[7] Prefácio à edição inglesa (1886) do livro I de O Capital, La Pléiade, Economie II : 1802.
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